Biblioteca quer vida nova
O Real Gabinete faz 170 anos e busca espaço para virar centro cultural
Fátima Sá
Fotos Felipe Varanda/Strana | |
O imponente salão (à esq.) e a fachada (à dir.): jóias lusas |
Jóia da arquitetura neomanuelina fincada no centro do Rio, o Real Gabinete Português de Leitura chega aos 170 anos cheio de planos. Com espaço cada vez mais exíguo para comportar seus 350 000 livros, manuscritos e documentos, a biblioteca procura novo endereço. "Quando tivermos uma área maior poderemos nos tornar um centro cultural, usando novas tecnologias, dinamizando a consulta e atraindo os mais jovens", anuncia Antonio Gomes da Costa, presidente da instituição. Que ninguém se assuste. Não passa pela cabeça do economista Gomes da Costa, português de Póvoa do Varzim, tirar o Real Gabinete do monumental edifício que, para o escritor, diplomata e político Joaquim Nabuco, tinha força semelhante à das estrofes de Os Lusíadas. Ele quer, sim, encontrar uma construção a mais para abrigar parte do acervo, que hoje se espreme entre os três andares da sede, na Luís de Camões (em que outra rua poderia ficar?), e um anexo. Como toda biblioteca ativa, o Real Gabinete sofre com a falta de espaço, já que seu acervo não pára de crescer. E é hoje o maior e mais importante conjunto de obras lusitanas fora de Portugal.
O prédio, aberto de segunda a sexta, recebe 120 leitores por dia. São estudantes e pesquisadores, principalmente de literatura e história. Pela internet, chegam consultas de Tóquio a Estocolmo. "Há obras aqui que não existem nem na Biblioteca de Lisboa", orgulha-se Gomes da Costa. As raridades incluem a primeira edição do épico de Camões, Os Lusíadas, de 1572, e o manuscrito de Amor de Perdição, de 1862, que Camilo Castelo Branco escreveu enquanto esteve preso por adultério. Há, ainda, o Dicionário da Língua Tupy, de Gonçalves Dias, e o manuscrito da peça Tu Só, Tu, Puro Amor, de Machado de Assis, freqüentador da casa, onde realizou as primeiras sessões da Academia Brasileira de Letras.
Elegância austera: salas são recheadas de móveis de época |
Presença confirmada em qualquer bom guia de turismo da cidade, o imponente edifício atrai, por ano, 12 000 viajantes e cariocas curiosos. "É o melhor exemplo que temos no Brasil do estilo neomanuelino, que é o neogótico português", explica Maria de Fátima Costa Mattos, professora-doutora da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, que investigou essa estética em sua tese de doutorado, dois anos atrás. As marcas saltam aos olhos na fachada de cantaria de pedra de lioz, com estátuas do infante dom Henrique, de Luís de Camões, Vasco da Gama e Pedro Álvares Cabral. Estão lá a esfera armilar, a cruz da Ordem de Cristo e as cordas retorcidas – elementos resgatados do estilo manuelino, que marcou Portugal nos séculos XV e XVI. No interior chamam atenção as imensas estruturas de ferro e vidro colorido – materiais característicos do fim do século XIX. Exemplo típico é a sala de leitura, com seu pé-direito de 23 metros e suas estantes de ferro abarrotadas de livros até o teto. Uma visão tão impressionante que ela serviu de cenário para novelas, minisséries, filmes e desfile de moda.
Inaugurado pela princesa Isabel em 1887, o edifício atual foi a quinta sede do gabinete, criado em 14 de maio de 1837 por 43 imigrantes, entre advogados, jornalistas e comerciantes, alguns deles exilados. A inspiração veio das boutiques à lire, que alugavam livros na Paris pós-Revolução Francesa. O resultado foi a primeira associação portuguesa do Rio de Janeiro. "Há um lado mítico nesta casa que não se quer perder", filosofa Gomes da Costa. "O Real Gabinete traduz em cada espaço a vontade de resgatar o passado glorioso de Portugal", afirma a professora Maria de Fátima.
Raridades: manuscritos de Machado de Assis (acima) e edições de Os Lusíadas, incluindo a primeira, de 1572 (aberta) |
Real Gabinete Português de Leitura. Rua Luís de Camões, 30, Centro, 2221-3138. Segunda a sexta, 9h às 18h. Grátis. http://www.realgabinete.com.br/
Sem comentários:
Enviar um comentário